Mônica Cruz defende a higiene bucal desde cedo como a principal arma contra cáries
Formada há 20 anos, Mônica Cruz é odontopediatra, com especialização na área de Saúde Pública e em Saúde da Família, além de aperfeiçoamento em Odontopediatria e Odontologia para Bebês. Nesta entrevista concedida ao blog Coisa de mãe, Mônica Cruz tira as principais dúvidas quanto à primeira dentição e à troca pelos dentes permanentes. Desfaz alguns mitos e orienta sobre como lidar com o bebê na fase do surgimento dos primeiros dentes que, em geral, causa bastante incômodo para as crianças e dá muito trabalho às mães.
Coisa de mãe – Quando surgem os primeiros dentes?
Mônica Cruz – Por volta dos seis meses, começam a nascer os primeiros dentinhos. Normalmente, a dentição de leite, que são vinte dentes, vai se completar por volta de dois anos e meio.
Coisa de mãe – Como a senhora mencionou, em geral, os dentes surgem a partir do sexto mês, mas é um fato que a dentição tem aparecido cada vez mais cedo ou isso sempre ocorreu?
Mônica Cruz – Na verdade, o surgimento dos dentes antes dos seis meses sempre ocorreu. A idade média é a partir do sexto mês, mas isso pode variar de acordo com cada criança. Tanto encontramos uma diferença para menos – em bebês com quatro meses, por exemplo -, quanto para mais. Eu já atendi uma criança que causava muita preocupação à mãe porque a menina já tinha um ano e três meses e não tinha nenhum dente. Então, essa diferença realmente acontece. Agora, é importante que a mãe não fique esperando que os dentes nasçam. No caso que exemplifiquei da menina, ela era saudável, não tinha nenhum problema. Agora, às vezes, esse atraso no nascimento dos dentes pode estar relacionado à alguma síndrome. Por isso, é necessário procurar a orientação de um profissional.
Coisa de mãe – Que síndrome, por exemplo?
Mônica Cruz – A Síndrome de Down traz um certo retardo no nascimento dos dentes, o hipotireoidismo ou o hipertireoidismo. Inclusive, o hipotireoidismo é detectado no teste do pezinho e pode trazer uma série de complicações. Então a doença precisa ser tratada desde cedo.
Coisa de mãe – Sendo assim, não deve haver uma preocupação por parte da mãe se os dentes dos bebês nascerem antes dos seis meses. O atraso no nascimento é que deve ser motivo de observação…
Mônica Cruz – Exato. Quando os bebês começam a apresentar dentição mais cedo, a preocupação deve estar em iniciar a limpeza da boca da criança também mais cedo. A partir do momento que o bebê tem dente, a placa bacteriana já pode se alojar ali, possibilitando, assim, o surgimento da cárie. O cuidado, então, deve ser este: se os dentes estiverem nascendo mais cedo, a preocupação quanto a prevenir a cárie também deve começar logo.
Coisa de mãe – Quando o bebê deve ser levado ao (à) dentista?
Mônica Cruz – A gente orienta que, a partir do nascimento do primeiro dentinho, a mãe leve a criança a um odontopediatra para que seja feito um exame adequado. O odontopediatra tem condição de avaliar se os dentes estão bem formados… Em alguns casos, por exemplo, o dente já nasce com alguma alteração no esmalte. Então, há um risco maior de apresentar cárie… Devido a esses detalhes, o exame é importante, para que se possa atuar de forma preventiva.
Coisa de mãe – Com certeza, prevenir é muito mais fácil do que tratar, principalmente quando estamos nos referindo a crianças…
Mônica Cruz – Realmente é muito mais simples prevenir porque os procedimentos para um tratamento na criança, mesmo sendo simples, podem se tornar difíceis devido ao fato de a criança se assustar por se encontrar num ambiente estranho, com uma pessoa estranha… Então, a prevenção é essencial.
Coisa de mãe – Alguns pediatras rechaçam esse relatos, mas é fato que, na fase do surgimento dos dentes, as mães ficam um pouco apreensivas porque as crianças apresentam febre, diarréia… Finalmente, há uma relação entre esses sintomas e o nascimento da primeira dentição?
Mônica Cruz – Cientificamente, não existe nenhum trabalho que tenha conseguido provar essa relação. Agora, é inegável que, na longa experiência de consultório, a gente ouve muito esses relatos. E quais são as explicações científicas? É uma época em que o bebê está perdendo a imunidade da mãe, passada pelo leite, e está adquirindo a sua própria imunidade. Então, ele fica mais vulnerável, o que coincide com o período de nascimento dos dentes. Não existe uma relação direta entre esses sintomas e a primeira dentição. Inclusive, a gente observa que, quando nascem os dentes permanentes, a criança normalmente passa bem. Entretanto, é importante que na fase do nascimento a limpeza seja muito bem feita porque, se o local não estiver devidamente higienizado, vai favorecer ao acúmulo de bactéria, incomodando a criança. A gengiva fica inflamada, causando a gengivite… Isso pode gerar um desconforto ainda maior na criança.
Coisa de mãe – É uma fase tumultuada, causa apreensão na mãe e muito desconforto nos bebês…
Mônica Cruz – É verdade. Agora, o que comprovadamente surge como conseqüência direta da erupção dos dentes? Salivação abundante, a criança sente a gengiva sensível, então ela tem necessidade de morder. Aqueles mordedores podem ser um alívio! A dica é colocá-los na geladeira para que fiquem frios e causem um efeito anestésico na boca do bebê. A própria mãe pode fazer uma massagem digital, com o dedo enrolado em uma gaze. Tudo isso pode dar um certo alívio.
Coisa de mãe – Existem também aquelas pomadas de lidocaína ou de benzocaína que são bastante usadas. Elas são realmente recomendadas?
Mônica Cruz – Deve haver cuidado com o uso desses produtos. Numa fase em que a criança estiver muito incomodada, eles podem ser utilizados, mas não deixam de ser medicações, são anestésicos. Então, ele deve ser usado numa quantidade pequena. O adequado é procurar fazer uma boa limpeza, por meio da massagem digital, e usar esse medicamento em último caso.
Coisa de mãe – Então, quanto à primeira dentição, o segredo é paciência. Porque, aparentemente, não há muito como evitar a irritabilidade, a falta de apetite, que é outro motivo de preocupação das mães…
Mônica Cruz – Eu diria que paciência e cuidado com a higiene.
Coisa de mãe – Chupetas e mamadeiras interferem na arcada dentária da criança de forma que realmente se deva evitar o seu uso ou isso é mito? Existe uma certa polêmica em torno das chupetas…
Mônica Cruz – Não. Isso realmente procede. A chupeta, mesmo as chupetas ortodônticas, provocam alteração. As ortodônticas, um pouco menos, mas ainda assim provocam. Agora vai depender muito da freqüência com que a criança faz uso da chupeta. Entretanto, devo ressaltar que existe mesmo uma controvérsia quanto à utilização da chupeta. Alguns psicólogos acham que a criança tem que usar a chupeta devido à fase oral, que está relacionada com a necessidade de sucção que, muitas vezes, não é satisfeita com a amamentação. Crianças que não mamam e dependem só da mamadeira podem ficar ainda menos satisfeitas no que diz respeito a essa necessidade, porque elas não precisam fazer esforço e, conseqüentemente, passam menos tempo no processo de sucção, usando menos os músculos da face. Muitas vezes, elas estão satisfeitas, do ponto de vista alimentar, mas ainda precisam sugar. Sendo assim, muitos psicólogos defendem que a criança precisa satisfazer essa necessidade com a chupeta. O problema é que algumas mães dão chupeta a toda hora. O bebê pode estar chorando por um motivo qualquer e a mãe dá a chupeta. É verdade que a criança se distrai e pára de chorar. Assim, ela vai ficando cada vez mais dependente. É importante que se tenha um uso racional da chupeta.
Coisa de mãe – A chupeta ainda é melhor do que o dedo?
Mônica Cruz – É bem melhor do que o dedo porque vai ser mais fácil de retirá-la. Ainda mais, o dedo está sempre a mão, literalmente, e causa uma maior alteração na arcada dentária do que a chupeta. Sob o aspecto ortodôntico, sempre que se notar que a criança tem essa necessidade de sucção mais acentuada e faz uso do dedo com freqüência, é melhor introduzir a chupeta. O ideal para nós, odontopediatras, é não dar a chupeta. Se a mãe nota que a necessidade de sucção é grande, pode dar de forma racional, sem o abuso. Outra coisa importante é que, se retirarmos a chupeta até os três anos de idade, toda a alteração que ela causou pode ser revertida. Agora, passando muito dessa idade, só se vai corrigir com os aparelhos ortodônticos.
Coisa de mãe – O que se pode fazer para evitar a cárie, nessa fase dos primeiros anos da criança, além da limpeza e de uma alimentação mais saudável?
Mônica Cruz – O uso do flúor é importante. Ele não deixa de ser um medicamento, então devemos fazer um uso consciente dele. Como todo medicamento, há uma dose que será benéfica, mas há outra dose que vai fazer mal. Hoje em dia se fala muito em fluorose dental.
Coisa de mãe – O que é fluorose dental?
Mônica Cruz – Os dentes permanentes só vão começar a aparecer quando a criança estiver na faixa dos seis anos, mas eles já estão lá nas arcadas dentárias. A fluorose dental – que se apresenta na forma de umas manchinhas brancas, como umas estrias horizontais – acontece quando o flúor é usado indevidamente, numa quantidade muito grande, muito além do que deveria ser utilizado. Por exemplo, crianças que colocam pasta dental em todas as cerdas da escova, de um canto a outro, como mostram as propagandas de televisão, não sabem ainda cuspir, terminam ingerindo uma quantidade de flúor que não é recomendada e podem vir a desenvolver a fluorose dental. O aspecto estético da fluorose compromete a dentição. Isso não quer dizer que o flúor não deva ser utilizado. Muito pelo contrário. O que há de melhor para prevenir cárie é o flúor. Então, o flúor deve ser aplicado periodicamente, de seis em seis meses, nos consultórios. Mas a gente precisa lembrar também que todo creme dental tem flúor, atualmente. Em casa, quando você está escovando os dentes, você está fazendo aplicação de flúor. Embora a quantidade do flúor do creme dental seja pequena, é preciso que a criança não engula, que seja estimulada a cuspir o creme dental. No caso daquelas que não conseguem cuspir, a quantidade deve ser equivalente a um grãozinho de arroz, como recomendam vários trabalhos científicos. Essa é a orientação.